O SOBRINHO DO MAGO
A PORTA ERRADA
O que aqui se conta
aconteceu há muitos anos, quando vovô
ainda era menino. É uma história da maior
importância, pois explica como começaram as idas e vindas entre o nosso
mundo e a terra de Nárnia.
Naqueles tempos,
Sherlock Holmes ainda vivia em Londres e as escolas eram ainda piores que as de
hoje. Mas
os doces e os
salgadinhos eram muito melhores e mais baratos; só
não conto para não dar água na boca de ninguém.
Naquela época vivia em Londres uma garota que se chamava Polly.
Morava numa daquelas casas que ficam
coladas umas nas
outras, formando uma enorme fileira.
Uma bela manhã ela estava no quintal quando viu surgir por cima do muro vizinho
o rosto de um garoto. Polly
ficou muito
espantada, pois até então não havia crianças
naquela casa, apenas os irmãos André e Letícia Ketterley, dois
solteirões que moravam juntos.
Por isso mesmo,
arregalou os olhos, muito curiosa. O rosto do menino estava todo encardido. Não poderia estar
mais encardido, mesmo
que ele tivesse esfregado as mãos na terra,
depois chorado muito e então enxugado as lágrimas
com as mãos sujas. Aliás, era mais ou menos isso que havia acontecido.
.
Oi . disse Polly.
.
Oi . respondeu o menino. . Qual é o seu nome?
.
Polly. E o seu? . Digory.
.
Puxa, que nome sem graça! . disse ela.
.
Acho Polly muito mais sem graça.
.
Não é, não.
.
É, sim.
.
Bom, pelo menos eu lavo o
rosto . disse Polly.
. É o que você deveria fazer, principalmente
depois... . e
parou. Ia dizer: .Principalmente depois de ter chorado por aí., mas achou que isso
não seria muito delicado.
.
Está bem, chorei mesmo . disse Digory, bem alto. Sentia-se tão infeliz que nem
se incomodava que
soubessem que andara
chorando. . Você também choraria, se
tivesse vivido a vida inteira no campo, e tivesse tido um
pônei, e um rio no fundo do quintal, e de repente viesse morar
nesta droga de buraco...
.
Londres não é um buraco . reclamou Polly, indignada. Mas o
menino estava tão aborrecido que nem prestou
atenção, continuando a falar:
....e
se seu pai estivesse na Índia e você tivesse de viver com uma tia e um tio louco
(quem ia gostar?), e isso
porque eles têm de tomar conta de sua mãe... e se sua mãe estivesse doente e
fosse... e fosse... morrer...
Aí o rosto de Digory ficou esquisito, como se ele estivesse fazendo
força para não chorar. Polly falou com
doçura:
.
Desculpe. Eu não sabia de nada. . E, como não tinha mais o que dizer, ou
querendo animar o garoto,
perguntou:
.
Seu tio é mesmo doido?
.
Ou é doido ou então há um mistério nisso. Ele tem um estúdio no último andar e
tia Leta nunca me deixa ir
lá. Isso não me cheira bem. Tem mais: sempre que ele quer me falar
alguma coisa na hora do jantar, ela não deixa,
dizendo: .Não aborreça o menino, André.. Ou então: .Digory não está nada
interessado nisso.. Ou: .Digory, acho
melhor você ir brincar no quintal..
.
Mas que tipo de coisas ele tenta lhe dizer? . perguntou a menina.
.
Não tenho a menor idéia. Ela nunca deixa ele continuar. Tem outra coisa: ontem
à noite, eu estava passando
perto da escada do sótão, indo para a cama, quando ouvi um grito.
.
Quem sabe ele não tem uma mulher louca que ele esconde lá dentro? . sugeriu a
menina.
.
Já pensei nisso.
.
Quem sabe ele faz dinheiro falso...
.
Também pode ter sido um pirata e agora anda escondido dos antigos companheiros.
. Sensacional! .
exclamou Polly. . Jamais podia imaginar que sua casa fosse tão interessante.
.
Você diz isso porque nunca dormiu lá. Não é nada agradável acordar no meio da
noite ouvindo as passadas
do tio André no corredor, vindo na direção do seu quarto. E os olhos dele são
de dar medo!
Foi assim que Polly e
Digory se conheceram. Era no início das férias
de verão e, como nenhum deles iria viajar
para a praia,
passaram a encontrar-se quase todos os dias.
As aventuras começaram principalmente por um motivo: era um daqueles verões muito
úmidos e quentes, de
modo que, em vez de
brincar ao ar livre, eles preferiam fazer incursões
dentro de casa. É impressionante quantas
explorações a gente pode fazer num casarão, com um toco de vela na mão.
Algum tempo atrás, Polly havia descoberto que uma portinha no sótão de sua casa dava para uma caixa-d.água
e um lugar escuro. O
lugar escuro parecia um túnel comprido com uma parede de
tijolos de um lado e um telhado
inclinado do outro. Não tinha assoalho no túnel: era preciso andar de viga em viga,
pois entre elas havia somente massa,
na qual não se podia pisar, sob o risco de se cair do teto no aposento de
baixo. Polly utilizava um pedacinho do túnel,
perto da caixa, como
uma caverna de contrabandista. Levara para lá
tábuas de caixotes, assentos de cadeiras quebradas,
coisas que ia
espalhando entre as vigas, para fazer uma espécie
de assoalho. Também guardava ali uma caixa contendo
vários tesouros, uma história que andava escrevendo e maçãs. Era
ali também que costumava beber tranqüilamente sua
garrafa de soda: as
garrafas vazias ajudavam a fazer
o ambiente.
Digory gostou muito
da caverna (ela não lhe mostrou a história), mas
estava mais interessado em prosseguir
nas explorações.
.
Olhe aqui . disse ele. . Até onde vai este túnel? Ele pára onde termina a sua
casa?
.
Não, continua. Só não sei até onde.
.
Quer dizer, então, que poderíamos andar por cima de todas as casas do
quarteirão.
.
Poderíamos, não, podemos.
.
Hein?
.
Podemos até entrar numa outra casa.
.
Ah, é? E acabar na cadeia como ladrão! Não conte comigo.
.
Não seja tão espertinho. Eu só estava pensando na casa depois da sua.
.
Que tem a casa depois da minha?
.
Está vazia. Papai disse que está vazia desde que mudamos para cá.
.
Vamos dar uma olhada . disse Digory. Estava bem mais entusiasmado do que
demonstrava. Naturalmente
pôs-se a imaginar por que a casa estava vazia há tanto tempo. Polly
se perguntava a mesma coisa. Mas nenhum deles
disse a palavra .mal-assombrada.. E ambos sentiram que agora seria uma fraqueza
não ir adiante e descobrir o mistério.
.
Que tal se a gente fosse agora mesmo? . indagou Digory.
.
Está bem . respondeu Polly. . Não precisa ir, se não
quiser.
.
Se você topa, eu também topo.
.
Como a gente vai saber que está em cima da casa vizinha?
Resolveram descer e
contar quantos passos havia em toda a extensão da
casa e, depois, contaram os passos
entre uma viga e
outra, para saber quantas vigas existiam sobre a casa. Então, multiplicaram esse número por dois; o
resultado obtido
corresponderia ao fim da casa de Digory; dali para frente, só poderiam estar no sótão da casa vazia.
.
Mas não acho que ela esteja mesmo vazia! . disse Digory.
.
Como assim?
.
Acho que alguém mora lá, escondido, saindo e entrando tarde da noite, com uma
lanterna abafada. Acho que
vamos descobrir um
bando de assassinos e ganhar uma recompensa. É
besteira acreditar que uma casa fique vazia esse
tempo todo, a não ser que exista algum mistério.
.
Papai acha que é por causa do mau estado do encanamento . observou Polly.
.
Encanamento! Gente grande tem a mania de dar explicações sem graça! . disse
Digory. Agora, que
conversavam à luz do dia, não parecia muito provável que a casa estivesse
mal-assombrada.
Não estavam muito seguros sobre as medições e os cálculos no papel,
mas, de qualquer maneira, não havia
tempo a perder.
.
Não podemos fazer o menor barulho . disse Polly quando subiram e se
encontraram perto da caixa-d.água.
Cada um levava
consigo uma vela (coisa que não faltava na
caverna de Polly).
Estava muito escuro e
empoeirado. Iam pisando de viga em viga, sem dizer palavra, exceto quando
cochichavam um para o
outro: .Já devemos estar na metade do
caminho. . ou coisa parecida. Ninguém tropeçou. As
chamas das velas agüentaram firme.
Por fim descobriram
uma portinha encaixada na parede de tijolos, à
direita. Não havia maçaneta desse lado,
mas havia um pegador,
como se vê às vezes na parte interna da
porta de um armário.
.
Abro? . perguntou Digory.
.
Se você topar, eu topo . respondeu Polly.
A coisa estava começando a ficar séria, mas ninguém ia dar para trás. Digory empurrou
o pegador com
dificuldade. A porta
abriu-se toda e a súbita luz do dia doeu-lhes nos
olhos. Então, com grande espanto, viram que
estavam olhando não para um sótão vazio, mas para um quarto mobiliado.
Não parecia ter ninguém. O silêncio era tumular. A curiosidade de Polly
resolveu a indecisão: soprando a
chama da vela, ela
entrou no quarto estranho, quietinha como um camundongo.
O local tinha
naturalmente a forma de sótão, mas estava arrumado como
uma sala de estar. Não havia canto de
parede sem estantes,
e não havia canto de estante que não estivesse atulhado
de livros. O fogo crepitava na lareira; era
um verão muito frio, como você se lembra. Diante do fogo estava uma
poltrona alta. Entre a poltrona e Polly, enchendo
quase a metade da
sala, havia uma mesa enorme, repleta de objetos .
livros, cadernos grossos, vidros de tinta, canetas,
um microscópio. Mas o que Polly notou em primeiro lugar foi uma
bandeja de madeira contendo um certo número
de
anéis. Os anéis estavam colocados em pares . um amarelo e um verde
juntos, um pequeno espaço, depois outro anel
amarelo com um anel
verde. Não eram maiores do que os anéis
comuns, e era impossível deixar de olhar para eles, pois
eram muito brilhantes
e bonitos.
A sala estava tão quieta que se percebia logo de entrada o tique-taque do
relógio. Mas, notava-se agora, não era
tão quieta assim. Havia no ar um ligeiro, um muito ligeiro zumbido.
Se os aspiradores de pó já tivessem sido
inventados, Polly
imaginaria que se tratava do ruído de um
aspirador de pó funcionando lá longe, bem longe. O som era
mais agradável do que o de aspirador, mais musical, mas era tão leve que mal
se podia ouvir.
.
Tudo bem . disse Polly ., não tem ninguém aqui. . Ela
passou a cochichar. Digory também entrou, piscando
o olho, sujo pra
valer... Polly também não estava nada limpa.
.
Não estou gostando disso . falou Digory. . Não é uma casa vazia coisa nenhuma.
É melhor a gente cair fora
antes que chegue alguém.
.
Que é isso? . perguntou Polly, apontando para os anéis.
.
Deixe para lá. O melhor é a gente cair...
Não chegou ao fim. A poltrona na frente do fogo moveu-se de repente
e dela surgiu, como um diabo de
comédia pulando de um alçapão, a figura amedrontadora do tio André.
Não estavam mesmo na casa vazia: estavam na
casa de Digory! No
estúdio proibido!
.
Minha nossa! . exclamaram as duas crianças. Tio André era altíssimo e muito
magro. Tinha uma cara
comprida, com um
nariz pontudo, olhos faiscantes e uma moita de cabelos grisalhos.
Digory estava mudo,
pois tio André parecia mil vezes mais
apavorante do que antes. Polly ainda não estava tão
amedrontada. Mas não demorou muito, pois a primeira coisa que tio André fez foi
cruzar a sala e trancar a porta.
Voltou-se, fixou as
crianças com seus olhos faiscantes e sorriu, mostrando
todos os dentes.
.
Ah! Agora a louca da minha irmã não pode mais nos perturbar!
Era terrível, muito diferente de tudo o que se pode esperar de um adulto! Polly
tinha o coração na boca. Ela e
Digory começaram a caminhar na direção da portinhola por onde haviam entrado.
Tio André foi mais ligeiro, fechando
também essa passagem. Depois esfregou as mãos, estalando os nós dos
longos dedos muito brancos.
.
Encantado em vê-los . disse. . Duas crianças! Exatamente o que eu mais queria
neste momento!
.
Por favor, Sr. André . disse Polly .,
está quase na hora do jantar e tenho de ir para casa. Quer deixar a gente
sair, por favor?
.
Ainda não . respondeu tio André. . A oportunidade é boa demais para eu
perdê-la. Estou em plena fase de
uma experiência importantíssima. Utilizei um porquinho-da-índia e parece que
deu certo. Mas o que pode um
porquinho-da-índia relatar? Impossível explicar para ele como voltar.
.
Escute aqui, tio André . disse Digory ., está mesmo na hora do jantar, e daqui
a pouco estarão chamando por
nós. Melhor o senhor deixar a gente ir embora.
.
Melhor... por quê?
Digory e Polly
trocaram olhares aflitos. Não ousavam dizer
coisa alguma, mas os olhares significavam o
seguinte: .Que coisa pavorosa!. E também: .Vamos ver se damos um jeito..
.
Se o senhor permitir que a gente vá jantar . falou Polly
., voltaremos mais tarde.
.
Como posso saber que voltarão realmente? . perguntou tio André, com um sorriso
astuto. Pareceu, no
entanto, mudar de idéia.
.
Muito bem, se precisam mesmo ir, que hei de fazer? Não deve ser divertido para
dois jovens como vocês
conversar com um
velhote. . Deu um suspiro e continuou: .
Vocês não podem imaginar como me sinto sozinho às
vezes! Podem ir
jantar, meus filhos. Mas antes quero lhes dar um presente. Não é todo dia que encontro uma moça neste
meu velho estúdio, principalmente uma senhorita tão bela como você.
Polly já começava a achar que ele não era tão louco, afinal de contas.
.
Quer um anel, meu bem? . perguntou tio André.
.
Um daqueles verdes? Quero, sim!
.
Um verde, não! . replicou tio André. . Lamento muito não poder dispor dos anéis
verdes. Mas terei o maior
prazer em presenteá-la com um dos amarelos: de todo o coração. Experimente um.
Polly já havia superado o medo e estava convencida de que o velho não era
louco. E os anéis eram de fato
atraentes. Caminhou
para a bandeja.
.
Estranho! O zumbido aqui é mais forte. Parece que vem dos anéis.
.
Você está imaginando coisas, cara menina . disse o velho, com uma risada.
Parecia uma risada comum, mas
Digory percebera uma
expressão quase de gula na face do
tio.
.
Polly, não banque a idiota! . gritou
ele. . Não toque nos anéis!
Era tarde demais.
Polly já tinha pegado um anel. E
imediatamente, sem barulho, sem um clarão, sem nenhum
aviso, já não existia Polly. Digory e tio André estavam agora sozinhos na sala.
ATIVIDADES DE ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO TEXTUAL
1-Qual o gênero do texto " O Sobrinho do Mago"?
2-Qual o autor do texto?
3- Qual o espaço onde os fatos ocorrem?
4- Em que época os fatos ocorrem?
5- Quais os personagens principais?
6- Qual o assunto abordado na narrativa?
7- Qual a situação inicial do enredo?
8-Qual é o conflito ?
9-Qual é o clímax?
10-Como se desenrola o desfecho ou situação final do texto?
11-Existem semelhanças entre a história abordada e a realidade em que vivemos?
12- Com qual personagem você mais se identifica? Por quê?
ATIVIDADES DE ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO TEXTUAL
1-Qual o gênero do texto " O Sobrinho do Mago"?
2-Qual o autor do texto?
3- Qual o espaço onde os fatos ocorrem?
4- Em que época os fatos ocorrem?
5- Quais os personagens principais?
6- Qual o assunto abordado na narrativa?
7- Qual a situação inicial do enredo?
8-Qual é o conflito ?
9-Qual é o clímax?
10-Como se desenrola o desfecho ou situação final do texto?
11-Existem semelhanças entre a história abordada e a realidade em que vivemos?
12- Com qual personagem você mais se identifica? Por quê?
Comentários
Postar um comentário